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A bela e o coronel do meu amigo Vandilson.
A bela e o coronel do meu amigo Vandilson.

Me observando meu amigo baiano da gema Vandilson Rosa Matos, em visita a sua Terra Natal, teceu as seguintes considerações, que gostaria de compartilhar com os leitores:

“Num campo, um caçador repousou, certo dia,

Para do sol se abrigar

E, deitado, implorava à brisa que fugia

O rosto lhe beijar.

E, enquanto assim pedia, a brisa descuidada

Fugia para além.

Chamava o caçador: “Ó vem brisa adorada!”

E Eco repetia: “Ó vem, brisa adorada!”

“Brisa adorada, vem!” (Do Livro de Ouro da Mitologia).

 

‘Caia a tarde quando os últimos peregrinos alcançava o topo da Sagrada Colina. No ápice, indo na direção do Monte Serrat concentravam-se as carroças enfeitadas, ladeadas por baianas, travestidas com seus trajes típicos brancos feito nuvem, carregando inseparáveis vasos de água-de-cheiro utilizada para bendizer o povo e para purificar as escadarias, conforme tradição secular, cultuada pelas religiões afro-brasileiras.

 

Era, pois, o ponto alto da Lavagem do Bonfim, uma verdadeira miscelânea de marcantes expressões culturais, em meio a um mar humano se limites que inundava toda a Cidade Baixa, partindo da Igreja da Conceição da Praia, contornando-se as ruas do Comércio na direção da Feira de São Joaquim até alcançar a Igreja Gótica do ...

 

De lá prosseguia o cortejo santo até o Largo de Roma para atingir as Obras Sociais de Irmã Dulce, de onde seguia-se pela Avenida Dendezeiros, rumo a Ribeira, a reta final, de onde olhares eufóricos já podem avistar, em meio as copas frondosas de imponentes palmeiras imperiais,  as majestosas torres da mais festejada igreja  da Baia de Todos os Santos.  

 

O ambiente era pleno de euforia e a festa corria ao som do toque da cadente sinfonia do afoxé Filhos de Gandhi que contaminava a atmosfera das entranhas da Península de Itapagipe, habitat natural do professor Raimundo Albergaria.

 

O Coronel experimentava algo de mais inusitado de sua vida de boêmio-viajante que fez a vida praticando sua arte de engenho nas entranhas do Brasil, dos Pampas de sua origem à Amazônia do Caprichoso e Garantido.

 

Mal sabia o que estava por vir. Ele que acabara de desembarcar em Salvador justo naquela data festiva. Não foi difícil ser convencido pelo guia do Hotel Paris, onde ficou hospedado, a participar daquela que, sem sombra de dúvidas, era a maior manifestação popular presenciada ao longo de sua existência.

 

Após mais de dez quilômetros de cortejo aonde se vai a pé e não é comum sentir cansaço, parou para contemplar um grupo de dança oriundo da cidade de Cachoeira de São Félix, conforme estampado nas letras douradas do estandarte. Era apenas um das centenas de grupos culturais que de forma espontânea se misturava com a multidão ao longo do belo cortejo. Aquele pequeno grupo de músicos e dançarinos que protagonizava um espetáculo à parte do grande conclave místico, apresentava ao público um ritmo contagiante, que acabou por atrair para seu derredor uma numerosa platéia.

 

Em meio ao êxtase da música e da dança avistou o sorriso de uma linda e jovem morena de cabelos cacheados e longos que se apresentava ao som do que o coronel a primeira vista proclamou ser a sétima maravilha das artes humanas: o samba-de-roda, a maior expressão da cultura da humanidade de todos os tempos e gêneros, segundo seus olhos e ouvidos de experiente observador a desafiar qualquer mortal sobre a sua mais recente e inusitada descoberta.

 

 

A paixão foi veloz tal qual um raio fino em noite escura de tempestade. A imagem daquela linda criatura divina, de causar inveja a Gabriela de Nacib, fez com que o coração do Coronel palpitasse ao ritmo do samba-de-roda do Recôncavo Baiano. Ele jamais esqueceria aquela cena. Como exímio conquistador aproximou-se da graciosa morena, que trajava vestido longo de branco-transparente algodão cru a contornar seu lindo corpo.

 

De chapéu na mão, aproximando se elegantemente, o Coronel teceu-lhe as mais belas e sinceras palavras elogiosas, inspiradas do fundo de seu coração a primeira vista apaixonado, sendo satisfatoriamente retribuído por um sorriso belo e franco da graciosa dançarina. Com o costumeiro respeito e simpatia apresentou-se elegantemente para a bela, expressando o desejo de conhecê-la, tão grande  era o seu encantamento.

 

Foi no cortejo profano da Lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim da Bahia, em meio a um misto de carnaval em que a fé católica cinge-se com a mais marcante e profunda expressão da cultura religiosa afro-brasilieira, ao som do samba-de-roda e do afoxé ecoado dos atabaques do candomblé  que o Coronel conheceu a bela e doce Açucena.

 

Em meio ao pôr-do-sol da Baía de Todos os Santos avistado do forte de Monte Serrat, cume da Península Itapagipana, na Cidade Baixa da Bahia, caiu a noite do dia mais feliz da vida do apaixonado e revitalizado Coronel.

 

Açucena de pronto aceitou receber a visita do Coronel em sua cidade natal e lá estava ele dia seguinte.  Não foi difícil encontrar na travessa Bocaiúva o sobrado do mestre Nonô, pai da rainha da Roda-de-Samba Jubileu de Ouro de Cachoeira de São Félix. Lá estava identificado na janela do sobrado. Nonô recebeu bem o visitante que já era esperado em sua humilde e acolhedora residência.

 

Animou-se a prosa depois de servido água e café. Estava iniciada a amizade com respeitoso Coronel. Açucena, sempre alegre e sorridente convidou o Coronel para conhecer o Centro-Histórico de Cachoeira de São Félix, a poucos metros de sua residência. Subiram a travessa Bocaiúva até alcançar a praça da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte de onde se avistava a velha ponte de madeira.

 

A sombra do secular tamarineiro da praça era um convite irrecusável para merecido descanso do casal, após longa caminhada pelas ruas estreitas e sinuosas do centro antigo daquela aprazível cidade. Era também o cenário apropriado para que o Coronel pudesse expressar o amor que despertava em seu coração.

 

A certeza que tinha do seu sentimento assegurava ao Coronel que ali encerrava definitivamente sua carreia de boêmio. Após ouvir atenciosamente as mais sinceras declarações de amor do Coronel, Açucena, demonstrando, gratidão e se desculpando ao falar do amor eterna que também nutria seu peito, tal qual o sentimento do Coronel.

 

Dali mesmo amigavelmente se despediram, sem antes ficar sabendo o coronel que a paixão de sua amada repousava sobre um ídolo da música popular, o cantor baiano Waldick Soriano, de quem por ironia do destino era amigo o Coronel, pois tratavam-se de bons amigos de boemia dos áureos e bons tempos da Praça Ramos, na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

 

O Coronel, movido pelo sincero amor jamais sentido em seu peito, compreendeu as razões de Açucena, de tanto que a verdadeiramente amava, dando-lhe a opção, com o peito dolorido, de lutar pelo amor que ela sentia pelo famoso artista, pois ele também por amor a seu amor, irá seguir triste o seu destino.

 

E assim foi o coronel para terras distante, embrenhando-se novamente na selva amazônica para, em meio às arvores e rios, poder esquecer o seu sentimento.

 

Açucena lutou inspirada na paixão repentina do Coronel lutou por seu amor que ao contrário daquele era um sentimento duradouro, testado e comprovado ao longo do tempo, desde a sua adolescência. Escreveu milhares de cartas para as rádios do Rio de Janeiro. Falou aos quatro cantos. Todos da cidade já conheciam o seu sofrimento de amor pelo artista. Conhecia de cor cada uma das centenas de letras e melodias das canções do famoso artista tal como o Marivaldo do Bar do Mercadão, outro fã incondicionado do artista.’