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Canção do exílio
Canção do exílio


 

 

 

Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

 

 

 

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

 

 

 

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

 

 

 

Minha terra tem primores, 
Que tais não encontro eu cá; 
Em cismar –sozinho, à noite– 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

 

 

 

Não permita Deus que eu morra, 
Sem que eu volte para lá; 
Sem que desfrute os primores 
Que não encontro por cá; 
Sem qu'inda aviste as palmeiras, 
Onde canta o Sabiá. 

 

 

 

Coimbra, Julho de 1843

 

 

 

 

 

 

 

No Paraná, este rico estancieiro aniversariante que amanhã completa 89 anos de idade, viveu próspero seu ciclo mais produtivo de vida, com sucesso garantido nos negócios e nas finanças. Teve êxito material, porque sempre soube agir bem, com coragem e muito trabalho. Foi recompensado. Progrediu, enriqueceu. Mas, o que amorteceu a dor e sofrimento pela separação da sua primeira esposa, foi o surgimento em sua vida, da dona Lourdes, rainha do rodeio, prenda nova cheia de vida, que logo ganhou o coração caborteiro daquele gaúcho maduro, que casa-se de papel passado, e parte com sua amada de Laranjeiras para Mato Grosso.

 

 

 

Nessa altura do campeonato, seus filhos e filhas já estavam todos criados. A dona Lourdes agüentou bem o repuxo, ganhou o coração do gaúcho. De lá para cá formou outra família que interage muito bem com a antiga. Mostra esse chiru velho, a grande capacidade de amar a todos, administrando muito bem os conflitos com cooperação, harmonia e paciência. Seu lema nas crises é “farinha pouca, meu pirão primeiro”; ou seja, resolver o problema dos seus primeiro.

 

 

 

Os atributos desse homem de sucesso, deste índio velho, foi o que me fez espelhar em seus atos, imitar sua postura pessoal, (e a gratidão está entre elas); com seu exemplo me ensinou a ser livre, com coragem para escolher e decidir o meu destino; ser responsável pelos próprios atos e conquistar riqueza pelo trabalho continuado e determinado, ou seja, não desistir nunca. Com a coragem, recebemos recompensas e, com o trabalho persistente, enriquecemos sempre.

 

 

 

Mostrou-me, ao longo de uma vida, como é importante refletir sobre si mesmo, amar-se, autoestimar-se. É desse modo que aprendemos que somos únicos, indivisíveis e irrepetíveis, com nossas limitações e potencialidades individuais.

 

 

 

E você, Sr Sílvio, ao ter uma grande família que lhe adora, demonstra a todos sua elevada capacidade de amar.

 

 

 

Além da sua coragem e sua incrível capacidade de trabalho, destaco sua excelente comunicação, digna de um artista performático, que nos chama a modelar nossas atitudes pelo arrasto de seu exemplo de vida bem vivida. Viveu saudável, feliz e próspero, o que cala fundo quando das celebrações e agradecimentos do seu coração.

 

 

 

Agora faço um desafio:

 

 

 

Quantos que, estão hoje, aqui, festejando seu 89º aniversário, estiveram lá na sua fazenda nos Campos de Guarapuava em 1969, ocasião das comemorações da nova sede?

 

 

 

Aposto que não enche uma mão, daí o motivo de meu agradecimento.

 

 

 

Vou relatar a festa do seu 50º aniversário, badalado. A rádio educadora noticiou; ´´uma celebridade municipal comemora meio século de vida.`` As famílias laranjeirenses, em peso, no evento. E os Rodrigues estavam entre os convidados especiais: meu tio Edmundo com seu bandoneon; o meu avô Reinaldo de chapéu preto; tio Anselmo de bota e bombacha; meu pai Ulisses com sua gaita 120 baixos; e eu, moço novo de 18 anos, aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas – SP. Todos nós muito admirados com a grandiosidade da festa e animação dos festeiros.

 

 

 

E para não esquecer:

 

 

 

FELIZ ANIVERSÁRIO!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Lida a crônica, a platéia comovida escutava atenta a declamação do poema, meus 8 anos, muito bem trovada, com saudades dos seus tempos de piá, pelo Vô Biso Silvio. Então, cantamos o parabéns prá você.

 

 

 

O Vigário fez a benção dos alimentos, e deu-me uma alfinetada, ao afirmar que não devemos viver de passado. Engoli aquelas palavras em seco, pois eu estava, apenas transcrevendo uma biografia resumida, de uma vida plena, saudável e feliz.

 

 

 

 Não acho que tenha sido correta a observação do padre: pelo menos naquele caso. Os presentes e parentes estavam comovidos. Assim, desejavam plantar alegria para degustar o costelão à moda gaúcha, assado pelo churrasqueiro, seu neto mais velho. Churrasco muito bom, regado a cerveja gelada, acompanhado de arroz, feijão tropeiro, aipim. E, finalmente, na falta do radite, foi servido uma rica salada verde, temperada com azeite de oliva e vinagre caseiro.

 

 

 

Apoiando sua mão esquerda em meu ombro direito, o anfitrião convidou-me a sentar ao seu lado. Enquanto esperávamos, seu filho mais velho, Osmar, passou-me seu celular com uma surpresa agradável e alegre: a voz do meu amigo, que eu não a ouvia há quase 40 anos; ou seja lá na década de 70 (época do Milagre Econômico Brasileiro), período em que a economia crescia, em média 11% ao ano.

 

 

 

Reminiscências, de um passado feliz; apesar de serem tempos de repressão.

 

 

 

Feliz fiquei ao saber que o Miro, meu amigo e filho do melhor amigo tropeiro do meu pai, o tropeiro Adão Falkembac, de Laranjeiras, encontrava-se bem, e é engenheiro civil, assim como eu. É político, tem duas filhas e uma esposa, e vive muito bem em Maringá-PR. Atendido o telefonema, fiz um giro de horizonte ao redor da mesa circular onde estavam sentados, dona Lourdes, sua esposa, filhos, filhas, netas, bisneta, netos e bisneto e eu, com o ancião alegre e agradecido por aquela singela homenagem, porém muito significativa para todos ali. Conversei com a bisneta, que na ocasião usava piercing e vestes modernas, mostrando a evolução nos costumes e modos de se expressar. Recebi os cumprimentos do neto Mateus, pela cerimônia prestada ao avô. Este piasito de apenas 13 anos me confidenciou que vai seguir os passos do seu avô rumo ao sucesso. Impressionou-me saber que aquele menino já tinha uma meta de vida. Respondi-lhe que tudo que queremos como crianças, realizamos quando adulto. Admirado com a atenção do menino disse-lhe:

 

 

 

-Você tem um sonho (uma meta), agora acredite e receba as benesses de um plano de vida bem realizado.

 

 

 

 Olhando de relance, vi o bisneto sair do colo da avó. Assim ficaram os dois moleques na minha frente perfilados para receberem meus conselhos. Então disparei algumas afirmações de efeito para aqueles olhinhos rasos d`águas, semblantes atentos, quietos como alguém que quer receber uma benção. Eu lhes disse:

 

 

 

- Meninos vocês serão peões do futuro. Farão inseminações artificiais, realizarão fertilização/fecundação in vitro (FIV).

 

 

 

Usarão ultra-sonografia em suas vacadas, bem como na boiada, para saber se já estão prontos para o abate. Vocês verão que uma única vaca será capaz de gerar vários embriões para gestações em vacas receptoras – chamadas barriga de aluguel. A inseminação será sexada – ou seja a escolha do sexo do animal já é escolhida antecipadamente através do sêmen. Terão laboratório na fazenda, com botijões de nitrogênio; farão manipulações genéticas para adaptar ao clima, às pastagens... Enfim poderão decidir pela maior produtividade da atividade agro-pastoril. Estudem! Ser veterinário ou agrônomo será uma opção para um bom fazendeiro do futuro. Meninos, seus pais foram os boiadeiros que trocaram o berrante pela buzina dos caminhões. Vocês “substituirão” os touros na fertilização das vacas. Serão produtores de carne de qualidade comercial. Seus vaqueiros serão auxiliares de produção e excelentes na arte de inseminar. A fazenda do futuro não terá grandes extensões de pastos; será apenas com semi-confinamentos muito bem controlados por computador; e o manuseio das pastagens, será com aproveitamento máximo. E tem mais, não se surpreendam, se tiverem de amamentar os bezerros com leite de soja, para evitar o colesterol ruim, ou seja, a gordura saturada que prejudica tanto a nossa saúde. Prestem atenção, filhos desta terra, a modernidade chegou e veio para ficar. A sanidade animal é imprescindível à nossa saúde, assim como água potável nunca deve faltar em nossos lares. Valorizada será a fazenda que estiver com seu capão de mato preservado; as matas ciliares serão mantidas intactas. Sabemos que com isso estaremos protegendo nossa flora e fauna. E, de quebra, estaremos preservando nossas nascentes, nossos rios, e garantindo um clima agradável para toda humanidade.

 

 

 

Fui para o “self service”, encontrei o padre e senhoras das comunidades de base, juntamente com o líder dos Sem Terra. Este chefe do MST confessou-me que eu era bem falado lá no assentamento, pela minha generosidade em doar madeiras de lei de minha propriedade para os integrantes da ocupação -mansa e pacífica- do movimento. Mostrou-se satisfeito por termos sido apresentados pelo Sr Silvio naquela data tão importante para a comunidade que aquele distinto trabalhador representa. Senti-me lisonjeado e agradeci os prestimosos elogios recebidos da classe trabalhadora dirigente. Ainda, apontou para sua mula arriada na caiçara, para mostrar-me que veio a cavalo. Então eu disse-lhes que sou, sim, um fazendeiro moderno, ando de carro importado, mas nunca deixarei o meu hábito de cavalgar, montado no meu cavalo encilhado.

 

 

 

Montei o meu prato, voltei para a mesa redonda do homenageado. Ele me olhou e riu um bocado, dando-me seu pedaço de carne, preparado no mais fino trato: matambre com pouco sal, bem curado; tradição dos Farrapos servido no churrasco. Então, olhando para ele, (que lia os meus lábios, pois estava quase surdo) pausadamente falei:

 

 

 

- É um pedaço de manta de matambre, sei que hoje em dia é pouco apreciada.

 

 

 

Ninguém come nas churrascarias esta carne macia, que tem o sabor da carne de sol dos nordestinos. Tudo como dantes saboreadas nos fogões ao som de uma gaita, numa roda de tropeiros. A manta de matambre era mantida no lombo dos animais, que, com seu suor, a salgava no ponto. Às vezes, permanecia dias entre a cangalha ou arreios e o lombo do cavalo, para evitar pisar o animal. Assim mantinham a carne de segunda em temperatura constante e conservada. Além é,  claro, de torná-lá macia e com um sabor especial, um verdadeiro segredo dos tropeiros. E quem revelou este segredo foi nada menos que o Gaiteiro-Mor das Laranjeiras: Pompilho Lopes do Nascimento, parceiro de meu pai nas tropiadas sulinas. Confesso que foi por acaso. Fomos a um restaurante típico para que o gaiteiro experimentasse a carne de sol, pois nessa ocasião eu achava que estava lhe oferecendo uma novidade em culinária regional. Provou um pedaço e soltou uma gaitada:

 

 

 

-Isto é matambre! Salgada com o suor, no lombo de cavalo. O gosto é o mesmo, e é a técnica mais antiga de conservação de carne. Teu pai sabia muito bem disso.

 

 

 

É tão antigo quanto a moqueadura que os Bugres utilizavam nas carnes de peixe e caças. A diferença é que conserva a carne sem fumaçá-la. Então me disse:

 

 

 

-É piá! Não foi dessa vez que me pegou no contra golpe. Mostre-me outra novidade. Esta novidade da carne de sol é mais velha que a mãe de Badanha. Peleie que você chega lá. Vejo que vai pagar a conta, está bem. Afinal, o que é um pêlo para um cavalo?!!!

 

 

 

Essa foi a ultima vez que vi o velho Pompilho com vida. Muito espirituoso, nos deixou um legado de coragem, alegria e bons ensinamentos. Foi também um dos grandes amigos do seu Sílvio.

 

 

 

Comi o suculento matambre, depois de contar o segredo revelado dos tropeiros à mesa toda. O delicioso matambre foi preparado e assado pelos familiares do patriarca. Cabe aqui um registro de que a saga continua; a tradição culinária vem junto. Os mais novos mantém os hábitos bons do mais velhos. Se é isso que o velho gosta, é isso que o novo quer. Assim as gerações evoluem indefinidamente. O importante é que o velho deixa plantadas suas sementes; assim os novos colhem; escolhem as melhores; semearão para o futuro. E assim, sucessivamente.

 

 

 

Quase noventa anos de sela nas tropeadas dessa vida; trova, canta e dança bem o velho tropeiro. Apaga o fogo da vela do tradicional bolo de aniversário. Recebe os “parabéns prá você”. Serve os presentes com as fatias do bolo, como quem reparte o pão, numa confraternização clara de carinho e amizade. Longo tempo de estrada, deixa-nos saudades; despede-se com o coração cheio de amor e felicidade.

 

 

 

 Veio a valsa com a esposa, dançada ao compasso da música; foi tocando Saudade do Matão no teclado da sala; o deficiente músico mostrou superação ao brilhar no palco com emoção.

 

 

 

Então, no embalo de uma valsa à moda antiga; um para lá e outro para cá; seu Sílvio irradiou o esplendor de energia que a todos contagiou.

 

 

 

A platéia, que batia palmas, abraçou o casal numa roda de mãos-dadas cantando com o coração e circulando em sintonia com a cantiga Estrada da Vida de Milionário e José Rico, traduzindo a concepção da vida em criação. Essa foi a derradeira canção que, para nós, muito representa; porém, muito mais para aquele nonagenário.

 

 

 

Embarquei na boléia da camionete, em estado de graça pelas boas lembranças que lá deixei; queimando o chão preto voltei para a minha casa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Notas:

 

 

 

* PAC: Programa de Aceleração do Crescimento, interessante a mesma sigla usada em homenagem a organização dos anos de chumbo italiano: Proletários Armados para o Comunismo do ex-integrante Cesari Battisti.

 

 

 

**Milagre Brasileiro: política de desenvolvimento acelerado, de 1971 a 1974, cujo lema era “aumentar o bolo para dividir com todos”. Assim pregava Delfim Netto, então Ministro da Fazenda.

 

 

 

***BADANHA: pelo que sei, Badanha foi um jogador de origem italiana do Grêmio nos anos 40. Era a mãe dele quem ia negociar os contratos e, como toda mãe, era muito exigente e dura nas negociações e reclamava de tudo; daí a expressão “vai se queixar com a mãe do Badanha”.