Criar um Site Grátis Fantástico


Total de visitas: 42951
Mais uma rosa colhida na querência florida da exis
Mais uma rosa colhida na querência florida da exis

MAIS UMA ROSA COLHIDA NA QUERÊNCIA FLORIDA DA EXISTÊNCIA.

 

- ´´ O que é um pêlo para um cavalo?``.

 

 Dia de intenso calor no Norte de Goiás (hoje, Tocantins). Quente, quente mesmo de fritar ovos nos capôs das turbinadas. Talvez o dia de maior temperatura do ano. Dia das comemorações do niver 89 do Sr Silvio Ferreira de Lima.

Acordei bem cedo, com o cantar dos passarinhos anunciando o raiar de um novo dia no cerrado tocantinense. A folia da passarada foi estupenda nas copas das mangueiras carregadas e nos pequizeiros com abundantes cachos  verdes claros prateados, reluzindo aos primeiros raios de sol. A florada do ipê branco despedindo-se da primavera do Tabocão. E, na Retiro, a vacada com muito leite apesar do ribeirão dos queijos, nascente do rio Tabocão estar com apenas um chorinho d`água. Assim, a flora e fauna estão clamando pela chuva que vem vindo. E eu estou indo compartilhar, com a família Ferreira, a colheita do ancião de mais uma rosa na floração da existência.

As queimadas tomaram conta daquele sertão. A serração de fumaça cobria a rodovia Belém-Brasília rumo Norte. Faróis da camionete acesos. Cuidado! Obras do PAC! Programa de Aceleração do Crescimento em andamento! Em especial a duplicação da avenida Bernardo Sayão, na BR-153 de Guaraí-TO.

Ao chegar à cidade nos deparamos com a poeira do chão misturada com a fuligem dos incêndios das pastagens, roças e matas da selva serrática do Bico do Papagaio, encontro do rio Araguaia com o Tocantins. Assim, podemos constatar que as queimadas vem de longe, há milênios usadas e abusadas pelos índios, e chegam até nós, fortes mesmo até hoje, como herança de uma prática predatória na floresta. Posso afirmar com certeza que as clareiras de campos nativos do cerrado são oriundas dos costumeiros incêndios praticados desde que o primeiro homem pisou no novo mundo.

Falo das queimadas, pra dizer que naquele dia faltou água na cidade. Fiquei sem tomar banho. Enchi-me de perfume, troquei de roupa e fui ao encontro do meu amigo, fazendeiro Silvio. Foram comigo um locutor de Brasília-DF, o motorista e cinegrafista para registrar o natalício histórico, prestes a acontecer no salão paroquial da igreja de São Pedro. São Pedro do Rio Grande, nome do padroeiro do Rio Grande do Sul. Lá chegaram o presidente do MST (Movimento dos Sem Terra), a cavalo, e o padre que celebrou a missa em homenagem e agradecimento aos bons anos de Nosso Senhor (NS) bem vividos pelo prendado, na graça de Deus...

Sua grande família compareceu em peso. Os amigos, como Atevaldo Santiago, Luis Dalavat, Dari, genro de Lili, e esposa, presidente do sindicato rural, senhor Genésio e sua esposa, dona Ires, professora catedrática da faculdade de Guaraí-TO. E outros tantos amigos da sociedade local lá estiveram para louvar a dádiva de mais um ano de vida daquele prestativo anfitrião.

 

     

 Nem a fumaça, o calor e a falta d`água, tiraram o brilho e o entusiasmo dessa festa comovente na história de vida exemplar do amigo da minha família: Silvio Ferreira.

Antes de ir para linha de servir; após as filmagens e fotografias de família, iniciei a homenagem, dedicando-lhe o xote Tropeiro Velho, de Teixeirinha:

 

                                                  Tropeiro Velho

 

Sentado a beira do fogo
Sentindo o peso da idade
Tão triste o velho tropeiro
Quase morto de saudade
noventa anos nas costas
Sempre lidou com boiadas
Mas nunca em suas andanças
Deixou um boi na estrada
Agora não pode mais
Seu corpo velho, cansado
Ás vezes fica caducando
E começa a grita com o gado
"era boi, era boiada"
Se assusta e recobre os sentidos
E outra vez fica calado
Pois este velho de noventa
Muito pra mim representa
Ouça estes versos rimados...

 

Seu Silvio, preste atenção...

Ouça, fique calado...

 

 

Tropeiro velho que tanta tristeza
Esconde o rosto na aba do chapéu
Olhos cravados no fogo do chão
Olha a fumaça subindo pro céu
Quebra de um tapa o teu chapéu na testa
Esqueça o seus noventa janeiros
Repare os campos lá vem a boiada
Pela estrada gritando os tropeiro
Tropeiro velho não levanta os olhos
Não tem mais força é o peso da idade

"Acabrunhado a beira do fogo
Está morrendo de tanta saudade"

Tropeiro velho sou um moço novo
Uma proposta te farei agora
Me dá o teu pala, o relho, o chapéu
Bombacha e botas e um par de esporas
Me dá o cavalo e o arreio completo
Vou continuar no teu lugar tropiando
Tropeiro velho levantou os olhos
Sentado mesmo me abraçou chorando
Beijou meu rosto e foi fechando os olhos
Entregou tudo e morto tombou

"Morreu feliz porque vou continuar as tropiadas que ele tanto amou" 2x

Enterrei ele a beira da estrada
Pra ver a tropa que passa e se vai
Leiam na cruz, vocês vão saber
Tropeiro velho é o meu próprio pai
Adeus meu pai
Tropeiro dos pampas
Teu pensamento cumprirás teu filho
Estou fazendo aquilo que fizestes
Grito a boiada encima do lumbrilho
Tropeiro velho hoje descansa em paz
Estou fazendo aquilo que ele fez
"Os anos passam também fico velho
Vou esperando chegar minha vez"

 

 

 Essa canção diz muito sobre a vida que levou este velho tropeiro, que já deu o arreio completo ao bisneto mais velho para guiar sua saga da lida do campo e continuar tropeando. Em seguida, o locutor (que passou mal no dia por causa do calor), já meio estropiado, recitou a crônica da história do aniversariante, que começou em 1922. 

 

COMEMORAÇÃO: NATALÍCIO DO SENHOR SILVIO FERREIRA DE LIMA, NASCIDO EM 26/09/1922

Igreja de São Pedro, Guaraí-TO, 25 de setembro de 2011.

 

Gaudério, uma alma livre: mostra-se reflexivo, ousado, idealista e rico em sabedoria, exemplo de uma comunicação fácil; excelente anfitrião e administrador de seus bens. Homem de bem, capaz de promover qualquer coisa. E, na sua longa vida, as mulheres sempre lhe trouxeram sorte. Desde piá adora  uma chinoca linda. É o sangue que o puxa pela mulher do Sul, dos pampas...

Sua vida é de conquistas e fama, sempre dando sua contribuição em benefício de todos. Por isso peleia na linha do tempo; transformou seus sonhos em realidade, em grande parte voltada para a criação de gado. Aproveitou bem as oportunidades, por isso deixa registrada sua marca nos seus descendentes e amigos. Sempre que as dificuldades apareceram em sua vida, elevou-se acima de todas elas, atuando com desenvoltura e destreza. Sempre que necessário, mudou o seu mundo para melhor. Aprendeu com os erros cometidos e deu aula aos mais novos para que se espelhem em seus feitos maravilhosos. Sua vida sempre foi uma porta aberta para os altos destinos; sua existência até agora nunca foi fácil; pois nela nunca houve lugar fácil; para uma vida estritamente pessoal. Sua história foi de sucesso em seus grandes projetos, e seu pensamento foi superar-se sempre.

Seu tempo de moço foi penoso, principalmente para uma criança que viveu em um ambiente revolucionário, pois exigia muita adaptação àquela situação que afligia a região Sul do Brasil nas décadas de 20, 30 e 40. Muito nervosismo, emotividade e medo. Porém, o guri aproveitou o tempo para aprender a ler, escrever, decorar a tabuada e dominar as quatro operações da aritmética, ensinamentos transmitidos pela professora regente Pureza, minha bisavó, aulas ministradas na Fazenda do Pontão (do meu bisavô Nicolau). Além do currículo escolar regular, minha saudosa bisavó ensinou ao menino Silvio declamar poesias de Casimiro de Abreu. Algumas delas esse tropeiro velho dos Pampas lembra até hoje.  Lembrou ainda do churrasco de confraternização oferecido pelo seu pai Joaquim, aos Rodrigues, quando da volta vitoriosa da Revolução de 30, que colocou Getúlio Vargas na Presidência do Brasil. Os Rodrigues estiveram no Palácio do Catete no Rio, amarraram seus cavalos no obelisco, em forma de abraço, juntamente com os filhos de Flores da Cunha. Exigiram, na ocasião, a renúncia de Washington Luís, que não queria largar a teta de leite com café das Minas Gerais e Paulistas. Acabaria aí a velha república do café com leite.

Fazenda Machadinha, onde nasceu, em Lagoa Vermelha, nome de sua atual estância, foi o município rio-grandense que festejou a volta dos guerreiros revolucionários à sua terra natal. Fazendo parte dessa comemoração no final de 1930, o menino Silvio recitou o poema que transcrevo e deixarei a disposição em vídeo para todos os presentes.

A obra poética de Casimiro de Abreu está reunida em um volume intitulado ``As primaveras´´, de 1859. Sua poesia mais notória é ´´ Meus oito anos ``, na qual o saudosismo da infância é claramente expresso.

 

 

 

Assim o seu Silvio recitou, Casimiro de Abreu em:

 

                                                  Meus Oito Anos

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

 

Aproveito a oportunidade ímpar para agradecer à família Ferreira de Lima a acolhida e respeito que tiveram com os Rodrigues desde o início do século passado. É uma amizade que perdura por mais de 100 anos. Obrigado, muito obrigado mesmo!

Transcorreu a década de 30, e veio a II Grande Guerra. Muitos filhos desta terra deram suas vidas para a vitória da liberdade no velho continente. Uns foram à guerra, outros ficaram. Parte dos Rodrigues veio para Chapecó (hoje Santa Catarina). Mas, na década de 40, radicaram-se em Iguaçu, antiga colônia Mallet. Chegaram, assim, os antigos rebeldes tenentes de 20, em Laranjeiras do Sul, para nacionalizar as terras do oeste do Paraná, pois já conheciam o potencial desse torrão, e estas riquezas muito lhes interessavam. Os revolucionários Rodrigues e outros tantos aliados de Vargas pressionaram o presidente para a criação do território do Iguaçú, pois a gauchada já estava de mala e cuia em direção do Paraná. Naquela marcha para o oeste, viagem de 54 dias em carroças cobertas de encerado, viajavam famílias de migrantes: poloneses, italianos, alemães e gaúchos nativos, como foi o caso da Rodrigada, que fazia a segurança do Comboio Oestino, culminando, enfim, com o que ficou consagrado como o “Rio Grande do Sul II”. Tal ´´ slogan `` ofendeu por demais as oligarquias ervateiras e políticas do Paraná. Logo o sonho acabaria, e o território do Iguaçu foi extinto. E essas ricas terras ficaram por muito tempo abandonadas.

Foi nesse clima pesado, já na década de 50, que o senhor Silvio Ferreira de Lima abandonou sua querência, amada Lagoa Vermelha. E foi se estabelecer nos quarteirões laranjeirenses da Erveira e do Rio da Prata; lá foi um grande safrista, produzindo varas e varas de suínos, muitas destas com mais de 500 porcos; legalizou suas posses no Governo de Moisés Lupion. Foi vereador por dois mandatos: um do então prefeito Arival Camargo e, também, quando o executivo municipal foi comandado por seu aliado Juca Marcondes.

Na década de 60, muitas foram as festas e festejos de igreja que nossas famílias participaram e celebraram juntas. Cresci e me desenvolvi sendo amigo de seus filhos. Em especial do menino Luís... (que as ondas do mar na costa paranaense levaram do nosso convívio para sempre). Afogou-se, ainda jovem. Deixou-nos muitas saudades. Foi meu parceiro de declamação de poesia no Instituto Santana de Laranjeiras do Sul. Cada semana um de nós recitava uma quadrinha. Foi desse modo que ganhamos a simpatia da primeira professora, dona Dorinha. E ficamos famosos no colégio, fomos apresentados ao padre Galo, como revelações do ano de 1961. A temida irmã superiora, irmã Inês, era nossa fã. Tínhamos uma excelente aliada. Lembro-me como se fosse hoje: o menino Luís, de jaqueta de couro marrom, subindo as escadarias de acesso ao alpendre do colégio, que dava para a frente do pátio, onde se via todos os alunos do turno matutino em forma, escutando as nossas trovas e gestos, ensaiados para àquela apresentação pública matutina, pois, valia bônus para a nota de educação artística. Assim, Sr Silvio, me recordo do seu filho, com carinho e saudades. Talvez ele tenha sido um dos primeiros amigos fiéis que tive no colégio das irmãs.

Sei agora que o Luisinho está aqui em espírito, por isso vou recitar a poesia que outrora declamamos, intercalando as quadrinhas. Assim Gonçalves Dias nos presenteia com belas rimas em trova que intitulou:

 

 

 

Canção do exílio

 

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. 

Coimbra, Julho de 1843

 

No Paraná, este rico estancieiro aniversariante que amanhã completa 89 anos de idade, viveu próspero seu ciclo mais produtivo de vida, com sucesso garantido nos negócios e nas finanças. Teve êxito material, porque sempre soube agir bem, com coragem e muito trabalho. Foi recompensado. Progrediu, enriqueceu. Mas, o que amorteceu a dor e sofrimento pela separação da sua primeira esposa, foi o surgimento em sua vida, da dona Lourdes, rainha do rodeio, prenda nova cheia de vida, que logo ganhou o coração caborteiro daquele gaúcho maduro, que casa-se de papel passado, e parte com sua amada de Laranjeiras para Mato Grosso.

Nessa altura do campeonato, seus filhos e filhas já estavam todos criados. A dona Lourdes agüentou bem o repuxo, ganhou o coração do gaúcho. De lá para cá formou outra família que interage muito bem com a antiga. Mostra esse chiru velho, a grande capacidade de amar a todos, administrando muito bem os conflitos com cooperação, harmonia e paciência. Seu lema nas crises é “farinha pouca, meu pirão primeiro”; ou seja, resolver o problema dos seus primeiro.

Os atributos desse homem de sucesso, deste índio velho, foi o que me fez espelhar em seus atos, imitar sua postura pessoal, (e a gratidão está entre elas); com seu exemplo me ensinou a ser livre, com coragem para escolher e decidir o meu destino; ser responsável pelos próprios atos e conquistar riqueza pelo trabalho continuado e determinado, ou seja, não desistir nunca. Com a coragem, recebemos recompensas e, com o trabalho persistente, enriquecemos sempre.

Mostrou-me, ao longo de uma vida, como é importante refletir sobre si mesmo, amar-se, autoestimar-se. É desse modo que aprendemos que somos únicos, indivisíveis e irrepetíveis, com nossas limitações e potencialidades individuais.

E você, Sr Sílvio, ao ter uma grande família que lhe adora, demonstra a todos sua elevada capacidade de amar.

Além da sua coragem e sua incrível capacidade de trabalho, destaco sua excelente comunicação, digna de um artista performático, que nos chama a modelar nossas atitudes pelo arrasto de seu exemplo de vida bem vivida. Viveu saudável, feliz e próspero, o que cala fundo quando das celebrações e agradecimentos do seu coração.

Agora faço um desafio:

Quantos que, estão hoje, aqui, festejando seu 89º aniversário, estiveram lá na sua fazenda nos Campos de Guarapuava em 1969, ocasião das comemorações da nova sede?

Aposto que não enche uma mão, daí o motivo de meu agradecimento.

Vou relatar a festa do seu 50º aniversário, badalado. A rádio educadora noticiou; ´´uma celebridade municipal comemora meio século de vida.`` As famílias laranjeirenses, em peso, no evento. E os Rodrigues estavam entre os convidados especiais: meu tio Edmundo com seu bandoneon; o meu avô Reinaldo de chapéu preto; tio Anselmo de bota e bombacha; meu pai Ulisses com sua gaita 120 baixos; e eu, moço novo de 18 anos, aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas – SP. Todos nós muito admirados com a grandiosidade da festa e animação dos festeiros.

E para não esquecer:

FELIZ ANIVERSÁRIO!

 

 

 Lida a crônica, a platéia comovida escutava atenta a declamação do poema, meus 8 anos, muito bem trovada, com saudades dos seus tempos de piá, pelo Vô Biso Silvio. Então, cantamos o parabéns prá você.

O Vigário fez a benção dos alimentos, e deu-me uma alfinetada, ao afirmar que não devemos viver de passado. Engoli aquelas palavras em seco, pois eu estava, apenas transcrevendo uma biografia resumida, de uma vida plena, saudável e feliz.

 Não acho que tenha sido correta a observação do padre: pelo menos naquele caso. Os presentes e parentes estavam comovidos. Assim, desejavam plantar alegria para degustar o costelão à moda gaúcha, assado pelo churrasqueiro, seu neto mais velho. Churrasco muito bom, regado a cerveja gelada, acompanhado de arroz, feijão tropeiro, aipim. E, finalmente, na falta do radite, foi servido uma rica salada verde, temperada com azeite de oliva e vinagre caseiro.

Apoiando sua mão esquerda em meu ombro direito, o anfitrião convidou-me a sentar ao seu lado. Enquanto esperávamos, seu filho mais velho, Osmar, passou-me seu celular com uma surpresa agradável e alegre: a voz do meu amigo, que eu não a ouvia há quase 40 anos; ou seja lá na década de 70 (época do Milagre Econômico Brasileiro), período em que a economia crescia, em média 11% ao ano.

Reminiscências, de um passado feliz; apesar de serem tempos de repressão.

Feliz fiquei ao saber que o Miro, meu amigo e filho do melhor amigo tropeiro do meu pai, o tropeiro Adão Falkembac, de Laranjeiras, encontrava-se bem, e é engenheiro civil, assim como eu. É político, tem duas filhas e uma esposa, e vive muito bem em Maringá-PR. Atendido o telefonema, fiz um giro de horizonte ao redor da mesa circular onde estavam sentados, dona Lourdes, sua esposa, filhos, filhas, netas, bisneta, netos e bisneto e eu, com o ancião alegre e agradecido por aquela singela homenagem, porém muito significativa para todos ali. Conversei com a bisneta, que na ocasião usava piercing e vestes modernas, mostrando a evolução nos costumes e modos de se expressar. Recebi os cumprimentos do neto Mateus, pela cerimônia prestada ao avô. Este piasito de apenas 13 anos me confidenciou que vai seguir os passos do seu avô rumo ao sucesso. Impressionou-me saber que aquele menino já tinha uma meta de vida. Respondi-lhe que tudo que queremos como crianças, realizamos quando adulto. Admirado com a atenção do menino disse-lhe:

-Você tem um sonho (uma meta), agora acredite e receba as benesses de um plano de vida bem realizado.

 Olhando de relance, vi o bisneto sair do colo da avó. Assim ficaram os dois moleques na minha frente perfilados para receberem meus conselhos. Então disparei algumas afirmações de efeito para aqueles olhinhos rasos d`águas, semblantes atentos, quietos como alguém que quer receber uma benção. Eu lhes disse:

- Meninos vocês serão peões do futuro. Farão inseminações artificiais, realizarão fertilização/fecundação in vitro (FIV).

Usarão ultra-sonografia em suas vacadas, bem como na boiada, para saber se já estão prontos para o abate. Vocês verão que uma única vaca será capaz de gerar vários embriões para gestações em vacas receptoras – chamadas barriga de aluguel. A inseminação será sexada – ou seja a escolha do sexo do animal já é escolhida antecipadamente através do sêmen. Terão laboratório na fazenda, com botijões de nitrogênio; farão manipulações genéticas para adaptar ao clima, às pastagens... Enfim poderão decidir pela maior produtividade da atividade agro-pastoril. Estudem! Ser veterinário ou agrônomo será uma opção para um bom fazendeiro do futuro. Meninos, seus pais foram os boiadeiros que trocaram o berrante pela buzina dos caminhões. Vocês “substituirão” os touros na fertilização das vacas. Serão produtores de carne de qualidade comercial. Seus vaqueiros serão auxiliares de produção e excelentes na arte de inseminar. A fazenda do futuro não terá grandes extensões de pastos; será apenas com semi-confinamentos muito bem controlados por computador; e o manuseio das pastagens, será com aproveitamento máximo. E tem mais, não se surpreendam, se tiverem de amamentar os bezerros com leite de soja, para evitar o colesterol ruim, ou seja, a gordura saturada que prejudica tanto a nossa saúde. Prestem atenção, filhos desta terra, a modernidade chegou e veio para ficar. A sanidade animal é imprescindível à nossa saúde, assim como água potável nunca deve faltar em nossos lares. Valorizada será a fazenda que estiver com seu capão de mato preservado; as matas ciliares serão mantidas intactas. Sabemos que com isso estaremos protegendo nossa flora e fauna. E, de quebra, estaremos preservando nossas nascentes, nossos rios, e garantindo um clima agradável para toda humanidade.

Fui para o “self service”, encontrei o padre e senhoras das comunidades de base, juntamente com o líder dos Sem Terra. Este chefe do MST confessou-me que eu era bem falado lá no assentamento, pela minha generosidade em doar madeiras de lei de minha propriedade para os integrantes da ocupação -mansa e pacífica- do movimento. Mostrou-se satisfeito por termos sido apresentados pelo Sr Silvio naquela data tão importante para a comunidade que aquele distinto trabalhador representa. Senti-me lisonjeado e agradeci os prestimosos elogios recebidos da classe trabalhadora dirigente. Ainda, apontou para sua mula arriada na caiçara, para mostrar-me que veio a cavalo. Então eu disse-lhes que sou, sim, um fazendeiro moderno, ando de carro importado, mas nunca deixarei o meu hábito de cavalgar, montado no meu cavalo encilhado.

Montei o meu prato, voltei para a mesa redonda do homenageado. Ele me olhou e riu um bocado, dando-me seu pedaço de carne, preparado no mais fino trato: matambre com pouco sal, bem curado; tradição dos Farrapos servido no churrasco. Então, olhando para ele, (que lia os meus lábios, pois estava quase surdo) pausadamente falei:

- É um pedaço de manta de matambre, sei que hoje em dia é pouco apreciada.

Ninguém come nas churrascarias esta carne macia, que tem o sabor da carne de sol dos nordestinos. Tudo como dantes saboreadas nos fogões ao som de uma gaita, numa roda de tropeiros. A manta de matambre era mantida no lombo dos animais, que, com seu suor, a salgava no ponto. Às vezes, permanecia dias entre a cangalha ou arreios e o lombo do cavalo, para evitar pisar o animal. Assim mantinham a carne de segunda em temperatura constante e conservada. Além é,  claro, de torná-lá macia e com um sabor especial, um verdadeiro segredo dos tropeiros. E quem revelou este segredo foi nada menos que o Gaiteiro-Mor das Laranjeiras: Pompilho Lopes do Nascimento, parceiro de meu pai nas tropiadas sulinas. Confesso que foi por acaso. Fomos a um restaurante típico para que o gaiteiro experimentasse a carne de sol, pois nessa ocasião eu achava que estava lhe oferecendo uma novidade em culinária regional. Provou um pedaço e soltou uma gaitada:

-Isto é matambre! Salgada com o suor, no lombo de cavalo. O gosto é o mesmo, e é a técnica mais antiga de conservação de carne. Teu pai sabia muito bem disso.

É tão antigo quanto a moqueadura que os Bugres utilizavam nas carnes de peixe e caças. A diferença é que conserva a carne sem fumaçá-la. Então me disse:

-É piá! Não foi dessa vez que me pegou no contra golpe. Mostre-me outra novidade. Esta novidade da carne de sol é mais velha que a mãe de Badanha. Peleie que você chega lá. Vejo que vai pagar a conta, está bem. Afinal, o que é um pêlo para um cavalo?!!!

Essa foi a ultima vez que vi o velho Pompilho com vida. Muito espirituoso, nos deixou um legado de coragem, alegria e bons ensinamentos. Foi também um dos grandes amigos do seu Sílvio.

Comi o suculento matambre, depois de contar o segredo revelado dos tropeiros à mesa toda. O delicioso matambre foi preparado e assado pelos familiares do patriarca. Cabe aqui um registro de que a saga continua; a tradição culinária vem junto. Os mais novos mantém os hábitos bons do mais velhos. Se é isso que o velho gosta, é isso que o novo quer. Assim as gerações evoluem indefinidamente. O importante é que o velho deixa plantadas suas sementes; assim os novos colhem; escolhem as melhores; semearão para o futuro. E assim, sucessivamente.

Quase noventa anos de sela nas tropeadas dessa vida; trova, canta e dança bem o velho tropeiro. Apaga o fogo da vela do tradicional bolo de aniversário. Recebe os “parabéns prá você”. Serve os presentes com as fatias do bolo, como quem reparte o pão, numa confraternização clara de carinho e amizade. Longo tempo de estrada, deixa-nos saudades; despede-se com o coração cheio de amor e felicidade.

 Veio a valsa com a esposa, dançada ao compasso da música; foi tocando Saudade do Matão no teclado da sala; o deficiente músico mostrou superação ao brilhar no palco com emoção.

Então, no embalo de uma valsa à moda antiga; um para lá e outro para cá; seu Sílvio irradiou o esplendor de energia que a todos contagiou.

A platéia, que batia palmas, abraçou o casal numa roda de mãos-dadas cantando com o coração e circulando em sintonia com a cantiga Estrada da Vida de Milionário e José Rico, traduzindo a concepção da vida em criação. Essa foi a derradeira canção que, para nós, muito representa; porém, muito mais para aquele nonagenário.

Embarquei na boléia da camionete, em estado de graça pelas boas lembranças que lá deixei; queimando o chão preto voltei para a minha casa.