Encontro com a morte
Cumpro o sagrado dever de informar a morte de meu amado tio; que desapareceu misteriosamente na época da florada do Ipê, na Festa do Senhor do Bomfim, lá nas bandas do Araguaia, perto do bico do papagaio. Onde as gaivotas voam livres e a água corrente é cristalina e pura.
Encontrado muito tempo depois, no mesmo ano, 5 dias antes do natal, viu-se naquele capinzal, daquelas quietas margens do Rio Araguaia afamado; próximo a cabeceira de uma pista de pouso já na selva, mata adentro, bem lá no sertão amazônico.
Velório em campo aberto
Viu-se também, que por esse tempo todo o colchão do meu tio foi o capinzal seco do Jaraguá. Deitado olhando para o teto, o céu estrelado, à noite, E durante o dia teve o sol como companhia, para o aquecer e se bronzear; mas também desfrutou de sombras amigas no capinzal para se refrescar. Índio velho de 4 (quatro) costados, encontrou na morte a paz. Deixou tudo para trás. Assim por longo tempo foi velado pelos passarinhos e pelos animais. Esses bichinhos sabiam que ali aquele velho de oitenta anos que para nós muito representava, não voltaria jamais. Enfim para eles tanto faz. Mas quis o destino que este velho tropeiro, não fosse devorado pelas feras ou que seu corpo virasse comida para os urubus e bichos carnívoros e demais animais. Por isso foi queimado pelas labaredas dos fogos das queimadas que assolam a Amazônia nessa época do ano. O fogo tirou o cheiro, sua roupa foi o pavio aceso, como uma vela a iluminar aquele sertão sossegado, porque ali até a flora e fauna sabiam que um guerreiro guapo, estava sendo incinerado. A fumaça permaneceu por vários dias, subiu aos céus, livrando outros seres vivos da contaminação, que choraram a saudade deste vivente querido, que foi bom amigo. Nunca casou, seu coração jamais foi atingido pela flecha do cupido.
Saudades
Tio, sei que levas saudades. Saudade de minha terra. A canção de sua preferência, muitas vezes por você cantada. Será recitada para que lá no céu encontre com sua amada.
Saudade de minha terra
De que me adianta viver na cidade
Se a felicidade não me acompanhar
Adeus, paulistinha do meu coração
Lá pro meu sertão, eu quero voltar
Ver a madrugada, quando a passarada
Fazendo alvorada, começa a cantar
Com satisfação, arreio o burrão
Cortando o estradão, saio a galopar
E vou escutando o gado berrando
O Sabiá cantando o jequitibá
Por nossa senhora,
Meu sertão querido
Vivo arrependido por ter deixado
Esta nova vida aqui na cidade
De tanta saudade, eu tenho chorado
Aqui tem alguém, diz
Que me quer bem
Mas não me convém,
Eu tenho pensado
Eu digo com pena, mas esta morena
Não sabe o sistema que eu fui criado
To aqui cantando, de longe escutando
Alguém está chorando,
Com o rádio ligado
Que saudade imensa do
Campo e do mato
Do manso regato que
Corta as Campinas
Aos domingos ia passear de canoa
Nas lindas lagoas de águas cristalinas
Que doce lembrança
Daquelas festanças
Onde tinham danças e lindas meninas
Eu vivo hoje em dia sem Ter alegria
O mundo judia, mas também ensina
Estou contrariado, mas não derrotado
Eu sou bem guiado pelas
mãos divinas
Pra minha mãezinha já telegrafei
E já me cansei de tanto sofrer
Nesta madrugada estarei de partida
Pra terra querida que me viu nascer
Já ouço sonhando o galo cantando
O inhambu piando no escurecer
A lua prateada clareando a estrada
A relva molhada desde o anoitecer
Eu preciso ir pra ver tudo ali
Foi lá que nasci, lá quero morrer
Tordilho Negro Teixeirinha
Teixeirinha - TORDILHO NEGRO
Correu notícia que um gaúcho
Lá da estância do paredão
Tinha um cavalo tordilho negro
Foi mal domado ficou redomão
Este gaúcho dono do pingo
Desafiava qualquer peão
Dava o tordilho negro de presente
Pra quem montasse sem cair no chão
Eu fui criado na lida de campo
Não acredito em assombração
Fui na estância topar o desafio
Correu boato na população
Foi num domingo clareava o dia
Puxei o pingo e o povo reuniu
Joguei os trastes no lombo do taura
Murchou a orelha teve um arrepio
Botei a ponta da bota no estribo
Algum gaiato por perto sorriu
Ainda disse comigo eram oito
Que boleou a perna montou e caiu
Saltei no lombo e gritei pro povo
Este será o último desafio
Tordilho negro berrava na espora
Por vinte horas ninguém mais nos viu
Mais de uma légua o pingo corcoveou
Manchou de sangue a espora prateada
Anoiteceu o povo pelo campo
Procurava um morto pela invernada
Compraram vela fizeram caixão
A minha alma estava encomendada
A meia noite mais de mil pessoas
Desisitiu da busca desacorçoada
Daqui a pouco ouviram um tropel
Olharam o campo noite enluarada
Eu vinha vindo no tordilho negro
Feliz saboreando uma marcha troteada
Boleei a perna na frente do povo
Deixei as rédeas arrastar no capim
Lavado em suor o tordilho negro
Ficou pastando em roda de mim
Tinha uma prenda no meio do povo
Muito gaúcha e eu falei assim
Venha provar a marcha do tordilho
Faça um favor e monte de selim
Andou no pingo mais de meia hora
Deu-me uma rosa lá do seu jardim
Levei pra casa o meu tordilho negro
Mais uma história que chega no fim
Recado de Mário Gaúcho para o Rodeio de Vacaria
Saudades, choram os que ficam. Vai em paz velho guerreiro, que para se divertir não tinha dia; adorava o Rodeio de Vacaria. De quatro em quatro anos, todos os anos bissextos ia. Sabia que belas prendas no Rodeio veria. Sempre na esperança de ser pialado por uma bela guria. Além do torneio de laço, as montarias; dançando noite à dentro o fandango com alegria. E que avisem o mundo inteiro. Vacaria é o maior rodeio do sul brasileiro. Se queres ser pialado, então deixe de lado teu coração caborteiro. e que aquela chinoca linda venha; ninguém tasque que eu vi primeiro. Vejo eu Mário Gaúcho, que já estou velho demais para o picadeiro. Estou morrendo, estou deixando meu pala, meu chapéu e minhas botas e esporas para um de meus filhos. Não posso mais caminhar. Não vou agüentar. Quanto mais dançar e sapatear.
Rodeio de Vacaria
Composição: José Mendes
Gaúcho prepare seu braço, arrsta o teu laço se é bom laçador
Gaúcho afia a espora, pra montar em pelo se é bom domador
Gaúcho que gosta de festa, pra se divertir não escolhe dia
Lhe convido pra ir no fandango, que tem no rodeio lá em vacaria
Vai ter gineteada torneio de laço
Concurso de trova também sapateio
Tem muitos gaiteiros e declamadores
Tocando e cantando lá estou no meio
Eu também vou lá pra Vacaria
Ver as lindas prendas que tem no rodeio
Rio Grande prepara teu povo, para reviver as tradições do pago
Convidamos o mundo inteiro, pra comer churrasco e tomar mate amargo
Estamos de braços abertos, para receber o povo estrangeiro
Que vem visitar Vacaria, apreciar o rodeio do sul brasileiro
Vai ter um rodeio de laço e de amor
Fandango e festança de noite e de dia
Olhares de prendas, chinocas bonitas
Não vai ter tristeza somente alegria
Quem não tem coração caborteiro
Vai ser pialado lá em Vacaria
Façam meu altar é no cemitério onde vou morar. Mas minha alma no firmamento vai estar.
Essa tradição de curtir Vacaria para um de meus filhos vou deixar. Morrerei feliz se esta história meus herdeiros continuarem.
Adeus e Recomendações aos Descendentes
Adeus Sol, adeus luar. Adeus águas cristalinas do Araguaia, nelas nunca mais vou banhar e adeus também morena proibida que nunca mais irei montar. Aos meus descendentes recomendo se educar; não se machucar, que pancadas de amor demoram curar. Rezem preces de agradecimento, como eu rezo antes de deitar e ao acordar, antes de levantar. Verás que, seu dia será de alegria e bem-estar. Deste modo: peçam, tenham fé é fácil de acreditar; sua felicidade garante sucesso particular. Assim estarão longe de invejar e saudáveis vão estar.
Último Desejo
Seu nome será imortalizado e lembrado por sua passagem nesta Terra e por esse sertão. No cemitério de Laranjeiras do Sul – PR, procurem o seu jazigo que em seu Epitáfio está escrito:
“Aqui jaz um solteirão”
Assim atendo o seu último pedido, meu tio querido! Sei que agora, aí no céu, estás namorando as estrelas e tem a lua como vela para alumiar os amantes com seu luar cor de prata, nas noites de lua cheia. Quando desejares namorar as estrelas do céu noturno, peça ajuda a deusa egípcia, a bela “Nuit” (a noite) irmã da terra e mãe de Osiris[1] - deus das matas. Assim identificarás logo, ela tem longos cabelos, como a morena e um corpo azulado e curvilíneo. É a deusa da noite, esta cortesã do universo o permitirá a corte às suas brilhantes estrelas, que lhe encherão de brilho, magia e encantamento.
Pára o seu prazer e contentamento encontre sua morena ou o tordilho negro; para nessas noites enluaradas, saborear e apreciar suas marchas trotiadas. Viva feliz essa nova vida que é um dia, quem sabe, nos encontraremos e mataremos toda essa saudade.
Porque a morte teremos que aceitar sim, para renascer numa nova vida, não devemos nunca contrariá-la.
Pois, ela é inevitável, tem a melhor memória do mundo, certamente não esquecerá de ninguém. Amem a vida aqui na terra com todos os seus sentidos, porque para os que morrem a sua missão terrena já foi cumprida. Adeus e muito obrigado, renasçam na vida eterna.
|