Criar um Site Grátis Fantástico


Total de visitas: 42915
O BEIJO FATÍDICO DA CAPIVARA CHICA NO COMPADRE MAN
O BEIJO FATÍDICO DA CAPIVARA CHICA NO COMPADRE MAN

O BEIJO FATÍDICO DA CAPIVARA CHICA NO COMPADRE MANHEIRO.

 

 

 

O menino Olívio foi crescendo, ficou moço prometendo que um dia viraria um fazendeiro afamado. Aprendeu a lida do campo, aprendeu a lidar com o gado. Hoje é um lidador de sucesso e dono de fazenda dos mais queridos e respeitado. Mora com sua Diva na costa do rio Piquiri, no distrito do Paiquerê, nome dado pelo meu saudoso pai quando era vereador no início da década de 60.

Agradeço ao Lívio ter sido meu pajem. Colocou-me para engatinhar e andar. Deu-me açúcar na chupeta para largar de chorar. Choro que me rendeu o primeiro apelido: Compadre Manheiro. Alcunha essa dada pela sobrinha de Flores da Cunha, tia Marta, esposa de meu tio avô Edmundo. Mas ainda choro quando quero alguma coisa. E quando recebo as benesses de bom grado, paro de chorar, agradeço e perdôo. Tudo que é doce na vida é bem vindo. Assim eu vou indo, tocando a boiada em frente. Sei que atrás vem gente; o importante é tocar sempre em frente mesmo em ocasiões de perigo de morte, como foi o caso do incidente da capivara Chica, quando eu tinha apenas um ano e meio de idade.

A Chiquinha era o animalzinho de estimação do Olívio, presente do seu tio Ulisses pela bravura do derradeiro dia em que a cascavel mamou na mimosa. E lá brincava eu no terreiro próximo a uma sanguinha ao lado da tina de lavar roupa. No coradouro, a roupa ensaboada em cima da esfregadeira, e no varal, os cueiros brancos enxugando ao Sol daquela manhã de primavera. As tias parideiras, minhas e do Olivil todas estavam com seus bebês no colo e outras com seu filho no ventre.

Bebês como eu, todos necessitados de leite e papas, mingaus e chás caseiros. Nesse entremeio, aconteceu um descuido fatal: o piazinho foi brincar com a capivara que estava no cio, ali pertinho. Ora, essa roedora recebeu-o com uma recepção das mais calorosas... um beijo na jugular, quase torando a veia aorta em seu lado esquerdo do pescoço. Deixou o menino troncho da orelha e se via o sangue esguichando. minha mãe tentou estancar a hemorragia incessante que cobria de vermelho a minha carinha. Rapidamente, arriaram o Bugre-Velho na charrete, e lá ia eu no colo de minha mãezinha, desmaiado, quase morto. Provavelmente todos que presenciaram o fato rezaram pela minha recuperação. Davam-me bênçãos. Ao passar pela porteira da fazenda encontramos o tio Mário, que estava de passagem montado na Morena, com o cachorro Braque, que latia sem saber o que sucedia. Meu tio entregou as rédeas da Morena para o Olívio e fazendo o Bugre-Velho galopar, acompanhou minha mãe e eu até o Hospital de Caridade Iguaçu, em frente ao Açougue Central, cerca de 100 metros, do outro lado de onde hoje é a Praça da República. Naquele nosocômio, fomos recebidos pelos doutores Peixoto e Rosso. Estancaram de pronto a hemorragia, emendaram a minha orelha e suturaram o corte da mordida da capivara. Elogiaram a presteza, a rapidez e os primeiros socorros que minha mãe prestou a esta criança enferma. Meu pai, que se encontrava na costa do Rio Xagú, no Quarteirão do Rio Bonito, fazendo roça, chegou com seu pé-de-bode. Estava ele morto de preocupação, com seu primogênito chorão, que chamava-o incessantemente de paiê. Minha querida madrinha Benvinda, estava lá ao pé da cama; foi a mais nobre das parteiras, rezadeiras e curandeiras, e já tinha me abençoado e tranqüilizado a todos, afirmando que eu estava fora de perigo.

No outro dia voltamos de pé-de-bode, com chuva, em um atoleiro só. As rodas do Ford 29 estavam com correntes para melhorar o atrito com a terra vermelha do meu Paranazão. Assim íamos levando a vida no meio do sertão.

A capivara, o facão três listras abriu rombos, em seu lombo. A tia Maria não perdoou a Chiquinha por esse malfadado beijo em meu pescoço. Foi então que o menino Olívio, curou com “bibitoxe” (pomada) a bicheira causada pelas feridas das faconadas raivosas que minha tia desferiu naquela criaturinha.

Ainda após a minha volta, a capivara permaneceu na fazenda. Sendo inclusive, muito paparicada pelo menino Olívio com todo amor fraternal aquele animal silvestre de estimação.

Mas como tudo tem um fim, o dia do juízo final checou para a Chiquinha, que vivia feliz nas límpidas águas do Rio Anteiro. Veio uma enchente, a cheia máxima do Anteiro, que outrora tinha levado as antas para o Xagú, e a tormenta arrastou tudo a sua volta, inclusive, os hábitats costeiros, como caraguatazal, banhados e pântanos de “piri” (uma espécie de palha/fibra para empalhar cadeiras e cangalhas de cargueiros nas tropeadas sulinas). Levou principalmente a fauna desta flora maravilhosa. E levou também a Chica, amante amiga estimada de Olívio. Soube-se depois que a capivara foi morta nas proximidades do Soque (Barbaquá) de erva do Sr Porto Padilha. Passou ela pela roda do Barbaquá, toda estropiada. Foi reconhecida por causa das cicatrizes que “o três listras” eternizou em seu lombo. Olivil chorou por aquele animalzinho que ele tanto amou. De lá para cá nunca mais teve nenhum animal do mato como de estimação. Amadureceu, vivrou mancebo. Serviu na Cavalaria em Guarapuava. Deu baixa, voltou para trabalhar no açougue do Sr Paulo Andrei, que na época da capivarinha era carroceiro transportador de carne para Juca Marcondes, do Matadouro dos Rodrigues.

Nessa época chorava-se ainda a morte de Getúlio Vargas. Que foi chorada com a morte da Chiquinha. A política brasileira em efervescência. No Paraná, o governo era de Moisés Lupion, e o Município de Laranjeiras do Sul era comandado pelo Prefeito Arival Camargo. Tio Luís, irmão de meu avô paterno, tinha sido assassinado por um policial amigo do prefeito. 1955 foi o ano em que a Rodrigada se rebelou, porque foi tirada a vida de um Rodrigues chegante do Rio Grande. A paz só chegou à família quando o governador nomeou o Inspetor de Quarteirão do Anteiro (meu avô Reinaldo), delegado de polícia, já que ninguém se atrevia a assumir o cargo na Delegacia de Laranjeiras do Sul que, desde então, era conhecida como a capital do crime no Paraná. Fama essa, que causa medo e repúdio quando éramos recebidos em outras cidades. Ser de Laranjeiras era sinônimo de pistoleiro, como se vê a má fama voa! E eu sempre soube o que foi isso; meu primeiro apelido foi Laranjeira, uma homenagem a minha cidade natal.

Como já disse, hoje Olivil da Silva vive com sua amada Diva na localidade de Paiquerê, em sua fazenda na costa do Rio Piquiri. Vive feliz cercado de filhos, filhas, genros e noras, netos e netas, que apreciam seus ensinamentos e curtem esse avô setentão.